'Violência contra mulher está em todas classes', diz Maria da Penha

26/11/2012 07:26

 

Se tudo tivesse ocorrido conforme planejado por seu agressor, Maria da Penha estaria morta há muito tempo, e ninguém suspeitaria que seu caso seria mais um de uma extensa lista de homicídios de mulheres no Brasil. Mas ela sobreviveu a duas tentativas de assassinato e lutou para que seu marido, um economista colombiano, fosse condenado.

Hoje, com 67 anos e paraplégica devido ao tiro que levou do ex-cônjuge, ela sabe que tem um lugar especial reservado na história do País, após ter uma lei batizada com seu nome, e que pode ajudar a salvar milhares de vidas de mulheres. "Gostaria de ser lembrada como uma mulher que, perseverando após 19 anos e seis meses em busca de justiça, conseguiu mudar a lei de um país", diz a cearense durante uma entrevista à BBC em sua casa em Fortaleza.

'Enquanto dormia'

Farmacêutica bioquímica, ela relembra o instante em maio de 1983 quando um tiro a condenou a passar o resto da vida em uma cadeira de rodas. Ela tinha 38 anos. "Meu marido atirou nas minhas costas enquanto eu dormia", disse. "Acordei com um tiro e não sabia quem havia atirado. Pensei que tinha sido ele, não o tinha visto."

As suspeitas dela eram baseadas nas atitudes cada vez mais violentas que Marco Antonio Heredia vinha adotando com ela e suas filhas. Ela havia sugerido a separação, mas ele não aceitou. O agressor disse à polícia que o tiro que atingiu sua mulher havia sido disparado por um criminoso em uma tentativa de assalto.

Depois de passar quatro meses e meio hospitalizada, Maria da Penha voltou a viver com o marido e as filhas. "Continuei com ele, porque não sabia que ele havia sido o autor da primeira vez". "Quando voltei sofri uma segunda tentativa ( de assassinato ), mais dissimulada, por meio de um chuveiro elétrico danificado de propósito ( para eletrocutá-la )", afirmou. "Se eu tivesse entrado no banho... Percebi antes que estava passando corrente ( pela água )."

Quase um ano depois do disparo, convencida de que seu marido queria matá-la, ela o denunciou às autoridades e começou sua luta para que Heredia fosse condenado.

Risco de morte

Heredia se declarou inocente da acusação, mas após uma série de julgamentos e recursos que lhe renderam mais de uma década em liberdade, foi condenado por tentativa de homicídio e começou a comprir pena em 2002.

Ele ficou 16 meses na cadeia, passou para o regime semi-aberto e, em 2007, entrou em liberdade condicional. Em meio à batalha judicial, o caso foi levado por ONGs à Comissão Interamericana de Direitos Humanos - que começou a pressionar o governo brasileiro.

O Estado foi responsabilizado pela demora no processo e convidado a tomar medidas para prevenir a violência doméstica - um delito que até então dificilmente se punia com prisão. Isso levou à aprovação em 2006 da Lei Maria da Penha, que combate à violência doméstica com punições mais duras para os agressores, como a posibilidade de prisão preventiva e o impedimento da imposição de penas alternativas.

Uma declaração das Nações Unidas citou no ano passado essa lei como pioneira mundialmente em defesa dos direitos das mulheres. Apesar da lei, a quantidade de mulheres brasileiras assassinadas continua causando preocupação - um desafio que permanece sem solução no País, segundo especialistas.

"A lei ajuda a mudar o comportamento, mas não muda tudo sozinha", disse a socióloga Eva Blay, uma das primeiras pesquisadoras a estudar questões de gênero no Brasil.

Maria Magnólia Barbosa, procuradora de Justicia do Estado do Ceará, afirma que a lei também levou a um aumento das denúncias de mulheres maltratadas, dando ao problema maior visibilidade. "Antes ( as mulheres ) não tinham a quem denunciar", explica.

'Questão cultural'

O Ceará, onde vive Maria da Penha, é um dos Estados com menores índices de violência doméstica, embora, segundo Maria Magnólia Barbosa, 157 mulheres tenham morrido nos sete primeiros meses de 2012 em decorrência de agressões.

"O feminicídio é uma questão cultural antes de mais nada", afirma Maria da Penha, que lembra que a violência doméstica está em todas as classes sociais: "Meu agressor era um professor universitário."

Símbolo da luta pelas mulheres no País, Penha aconselha que as que se sintam ameaçadas busquem apoio de instituições e grupos especializados, que se protejam com sigilo e evitem ser impetuosas. "Muitas vezes a mulher pode se desesperar por estar vivendo uma situação assim, mas é melhor ter um pouco de cautela para que não seja assassinada", afirma. "Porque é em momentos assim que muitas vezes a mulher perde a vida."

FONTE: IG/ÚLTIMO SEGUNDO/BRASIL/BBC BRASIL (CLIQUE AQUI para redirecionar)

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