CLT 70 anos: "Carteira era usada pela polícia para definir quem era vagabundo"

01/05/2013 07:39

 

Em 1945, dois anos após a unificação da legislação trabalhista por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no governo de Getúlio Vargas, a dona de casa Rachel Schmidt Pinto, de 83 anos, moradora da Zona Leste de São Paulo, tirou sua primeira carteira de trabalho. O modelo tinha capa vermelha e vinha com a inscrição 'do menor'. Rachel tinha apenas 14 anos.

O metalúrgico aposentado Ademir Antonio de Arruda, de 57 anos, também da Zona Leste, lembra bem de quando tirou o documento aos 13 anos, com uma estampa do Juizado de Menores, a pedido de sua mãe. Mas a época era outra, em 1969, nos tempos difíceis da ditadura.

Naquela época, ter a carteira de trabalho significava não apenas um vínculo empregatício, mas garantia uma certa segurança. "A carteira de trabalho era usada pela polícia para definir quem era vagabundo. Com o documento, passamos a ter um nome, e a ser respeitados."

Para o estudante Leonardo Gustavo da Silva Batista, 18 anos, a primeira carteira, tirada há dois anos, significou um emprego melhor. Ele trabalhava desde os 13 anos, mas com contrato informal, "um papel que assinava todo dia".

Três gerações de trabalhadores lembram da importância da legislação trabalhista nesta segunda reportagem da série sobre os 70 anos da CLT e falam sobre expectativas e conquistas no mercado de trabalho.

Aposentadoria pequena

Na transição do Brasil agrícola para o industrial, Rachel teve a sorte de começar trabalhando na sessão de acabamento de uma tecelagem no Brás (região central de São Paulo), quando a indústria têxtil aproveitava os bons ventos da economia. Ela perdeu sua mãe cedo. Tinha um irmão no Exército e outros dois casados. Eram apenas ela, o pai e um irmão.

Raquel entrou no mercado de trabalho para ajudar um pouco em casa, comprar roupas e fazer seu enxoval de casamento. Com o salário, construiu sua casa e conseguiu fazer os filhos estudarem, sonho da maioria das famílias na época. “Hoje eles estão bem de vida”, diz, orgulhosa.

A aposentada trabalhou ali durante 14 anos, até os 28. Ganhava bem, entre quatro e cinco salários mínimos, mais do que seu marido, que trabalhava em uma gráfica. Só saiu da empresa porque foi vendida pelo patrão italiano para um turco. “Mudou para longe. Senão, eu continuava”.

Na época, seu filho tinha sete anos, e influenciou na opção de passar a trabalhar em casa, como pespontadeira, durante dez anos, sem registro. “Trabalhava até uma da manhã. Era difícil encontrar trabalho. Pedia para ser registrada, mas não conseguia”.

O marido, na época, já trabalhava no departamento de cobrança da Arno, onde ficou durante 20 anos. O tempo de carteira ajudou. Ele se aposentou com 42 anos de trabalho e recebia dois salários. Rachel até hoje não se aposentou porque recebe a aposentadoria do marido, maior do que a sua. Na carteira, tem apenas os 14 anos registrados.

Rachel reclama da aposentadoria, que, com o tempo, 'achatou'. "Antes não passava apertado: comprava do bom e do melhor. Mas hoje puxo daqui e dali, mas o dinheiro não dá".

Tempos de luta

Ademir lembra do primeiro emprego como uma “vitória” e diz que ganhou "um nome" ao tirar a carteira de trabalho. “Se ficasse na rua, era tachado das piores coisas".

Seu pai era empregado público, mas as condições de trabalho eram ruins e, o salário, "de fome”. “Meu pai não sabia o que era final de semana. Na época, a legislação era um zero à esquerda”

Ademir lembra do advento do Programa de Integração Social (PIS), em 1970. “Era a única porção do salário que minha mãe não mexia. Uma alegria”. Mas sentia falta de benefícios como planos médicos, cesta básica e vale transporte.

O aposentado conta que trabalhava de manhã e, ao abandonar o ginásio, estudava até meia-noite, com os três irmãos, no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). “Tinha esperança de dias melhores. Tudo o que tínhamos era bom, suado”. Ademir teve apenas dois trabalhos registrados.

Ademir sempre foi sindicalizado. As condições precárias de segurança no trabalho o levaram a se tornar ‘cipeiro’, o funcionário responsável na época por fiscalizar o uso de equipamentos de segurança. "Era um tempo de muito emprego, mas mesmo assim tinha medo de não conseguir outra ocupação caso fosse demitido".

Hoje, está satisfeito com a aposentadoria especial, por insalubridade do local de trabalho. "É uma segurança: sempre estará ali. Infelizmente, muitos colegas não conseguiram chegar até aqui".

Futuro

O estudante Leonardo Gustavo Almeida da Silva Batista, 18 anos, é trabalhador formal há um ano e dois meses. Logo que fez 16 anos, tirou o documento, até que encontrou um trabalho em uma indústria de peixe, como auxiliar de produção.

Mas o jovem já trabalhava desde muito cedo, com 13 anos, de modo informal, em uma fábrica de sapatos nos fundos de uma casa na vizinhança da zona leste de São Paulo.

O emprego registrado significou mais liberdade, e quase o dobro do salário, sem contar a experiência, que agora pode ser comprovada no documento. Ele faz serviços adicionais para o patrão, e também horas extras, para 'turbinar' o salário registrado.

Leonardo não precisa ajudar em casa, onde mãe e avó trabalham como prestadoras de serviços. Ele utiliza o salário para comprar objetos de uso pessoal, e ter a liberdade de ter as próprias despesas.

FONTE: IG/ECONOMIA (CLIQUE AQUI para redirecionar)

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