Para além da polêmica, especialistas debatem preço dos ingressos no futebol brasileiro

16/11/2013 08:52

 

A decisão da diretoria do Flamengo de fixar o preço dos ingressos para a final da Copa do Brasil, dia 27 de novembro, contra o Atlético-PR, a R$ 250 gerou muita polêmica nos últimos dias. Revoltados, rubro-negros reclamaram do aumento de 150% em relação aos valores praticados na semifinal e chegaram a agendar um protesto para esta sexta-feira na sede da Gávea. Por outro lado, o programa de sócio-torcedor vermelho e preto vem recebendo uma enxurrada de adesões, com torcedores do clube correndo para garantir seu lugar no Maracanã a preços mais baixos - em alguns casos o bilhete pode sair a até R$ 75.

Com a discussão fervilhando no Flamengo e nas redes sociais, nossa reportagem foi atrás de dois especialistas do mercado da bola para entender a lógica, as reações e os caminhos da decisão do clube mais popular do Brasil em cravar o preço de seu principal compromisso no ano em 36% do salário mínimo e outros pontos sobre a questão dos ingressos no país.

Diretor da Pluri Consultoria, Fernando Ferreira, não se mostrou crítico à opção do Flamengo em jogar os valores para cima para o último jogo da Copa do Brasil. Segundo ele, o aumento baseia-se nas leis do mercado sobre oferta e procura. Contudo, o economista posiciona-se contrário à política geral de preços praticada no futebol brasileiro, que tem o ingresso mais caro do mundo em termos de renda per capita da população, segundo estudo da própria Pluri.

"Muito mais grave do que esse aumento do Flamengo são os jogos inexpressivos com ingressos a R$ 50, 60. Com isso, exceto nas finais, os estádios estão sempre vazios e a questão principal que desmotiva o torcedor é o preço dos ingressos", afirmou Fernando, revelando que a taxa de ocupação dos estádios no Campeonato Brasileiro não chega a 40%. "A reação de oferta e demanda só acontece para cima, dificilmente os clubes se sensibilizam com isso para baixo. Temos um produto que há anos vê sua demanda cair e a resposta do futebol brasileiro é aumentar os preço. Em qualquer momento da história com qualquer produto, a solução correta é diminuir os preços ou tentar melhorar o produto."

Outro especialista procurado pela reportagem do YEI, o consultor Amir Somoggi tentou entender o lado do torcedor rubro-negro na contenda sobre o valor dos ingressos. Para ele, o aumento nos preços numa final já era esperado e até aceito, mas o novo modelo proposto pelas arenas no país e a privatização dos estádios fizeram as quantias alcançarem patamares nunca antes experimentados no país, fator da revolta.

"O torcedor se sente lesado por não ter a menor condição de ir num jogo como esse", avaliou. "O Flamengo tem uma grande oportunidade de ganhar muito dinheiro na partida mais importante do ano para ele, mas os valores são assustadores por serem inacessíveis para grande parte da torcida", opinou Amir.

E como forma de combater o crescente alijamento dos setores sociais menos favorecidos dos estádios nacionais, o consultor propõe que a renda obtida com a comercialização de bilhetes para os setores VIP, que chegarão a custar R$ 800 para Flamengo x Atlético-PR, subsidie os demais assentos. Além disso, Somoggi acredita que os clubes deveriam investir em formas de associação mais acessíveis, o que garantiria o torcedor em mais jogos do clube.

"Na Europa, é possível assistir um jogo importante por 40 euros (R$ 125, na cotação da última terça-feira) e aqui temos preços mais altos. É óbvio que precisamos ajustar essa precificação pois é capaz até que o Maracanã não esteja completamente lotado por conta disso", arriscou Amir, fazendo contraponto à expectativa de Fernando Ferreira, que afirma ter certeza de que o duelo terá lotação máxima. "Você tem que ter sempre espaços mais baratos bancados pelas cadeiras premium. Se você tem um ingresso a R$ 800, esse bilhete deveria reduzir os valores dos lugares para os sócios. Outra solução é ter um programa de sócio popular do clube, com ingressos que poderiam chegar a R$ 10, com o torcedor fechando um pacote de 10 jogos, por exemplo."

Gratuidades e meia-entrada: vilãs do aumento

Justificando sua atitude de elevar em grande medida o preço dos ingressos para a final, o Flamengo argumentou, em entrevistas do presidente Eduardo Bandeira de Mello e através do site oficial do clube, que a renda obtida no duelo diante do Furacão será totalmente revertida para investimentos no departamento de futebol, entre eles a contratação definitiva do volante Elias, principal destaque do Rubro-negro na temporada e atualmente pertencente ao Sporting-POR.

Contudo, outros dois pontos aparecem como as principais motivações para o Flamengo e todos os demais clubes do país - e em especial, os cariocas - praticarem valores altos ao longo de todo o ano: a elevada taxa de ingressos negociados por valor de meia-entrada e os milhares de bilhetes distribuídos gratuitamente. A título de exemplo, o Flamengo e Goiás das semis do mata-mata nacional recebeu 56.224 torcedores. Deste total, 29.621 - ou 52,6% - pagaram meia-entrada enquanto outros 6803 rubro-negros não desembolsaram nada para assistir à partida in loco.

De acordo com Amir Somoggi, a diminuição da taxa de ingressos dados, ainda que boa parte do total das gratuidades contabilizadas venham de donos de cadeiras perpétuas e crianças ou idosos que têm seu direito resguardado por lei, e de meias concedidas para não estudantes poderia reduzir o prejuízo dos clubes e também o preço dos bilhetes.

"Existe um mercado ilegal de carteirinhas de estudantes sem regulação que, junto com as cerca de 10 mil gratuidades que uma partida desse porte deve gerar, faz muito dinheiro ir embora dos cofres dos clubes. Se você fizesse a conta ao contrário, pensando que essas gratuidades valem R$ 2, 3 milhões, a gente poderia ratear isso, reduzindo o preço total do ingresso. Hoje os clubes jogam os preços para cima e trabalham com o tíquete médio pela metade, já prevendo as perdas", esclareceu o economista.

Na berlinda, clubes fazem promoção

Enquanto o Flamengo tenta aproveitar sua sexta decisão de Copa do Brasil para fazer caixa num clube com R$ 750 milhões em dívidas, adversários seguiram o caminho inverso neste final de ano. Lutando contra o rebaixamento, Vasco, Ponte Preta e Fluminense vêm negociando ingressos para seus jogos por até R$ 2 na expectativa de casa cheia para empurrar seus times em busca de fundamentais vitórias.

De volta ao Maracanã no último domingo depois de cumprir punição de quatro jogos fora do Rio de Janeiro, o Cruz-maltino cobrou R$ 10 pelos assentos vendidos a R$ 250 pelo arquirrival e levou quase 60 mil torcedores ao Maior do Mundo. O resultado financeiro do 2 a 2 com o Santos que tirou momentaneamente o Vasco do Z4 foi cinco vezes menor que o obtido pelo Rubro-negro no confronto com o Goiás e, após o cálculo das despesas, levou para São Januário somente R$ 76 mil, valor que passa longe de sanar o rombo financeiro experimentando pelo Vasco nos últimos anos.

Atualmente já longe da zona da degola, o São Paulo foi um dos primeiros clubes a reduzir o valor dos bilhetes nesta temporada para evitar a queda. Com promoções que se mantêm até os jogos atuais no Campeonato Brasileiro, o Tricolor tem a segunda melhor média de público do Nacional, atrás apenas do líder Cruzeiro, e já colocou mais de 50 mil torcedores no Morumbi em três oportunidades. O recorde, aliás, foi obtido logo no primeiro jogo com redução de preços, em 2 a 1 sobre o Fluminense, ainda no primeiro turno.

Apesar do sucesso do clube dentro de campo, Amir Somoggi não enxerga com muito bons olhos a decisão são-paulina. "O São Paulo pode estar dando um tiro no pé porque você pode viciar a sua torcida a só pagar ingressos baratos e ter dificuldade em aumentar a rentabilidade quando precisar. O próprio São Paulo teve dificuldade de lotar o Morumbi nos jogos da Copa Sul-Americana, que têm preços mais altos. O balanço do clube no ano que vem vai mostrar o impacto que isso teve porque o volume de dinheiro vai ter caído em comparação ao ano anterior", afirmou Somoggi, ressaltando que o incentivo ao torcedor em gastar mais com alimentação e outros serviços no estádio pode amenizar as perdas oriundas de um tíquete mais barato.

A visão de Fernando Ferreira sobre o tema, porém, é diferente. Em crítica velada, o consultor rebateu frontalmente a opinião emitida pelo ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanches, de que a prática do São Paulo estaria desvalorizando o espetáculo do futebol no Brasil. "Esse discurso de que o ingresso barato desvaloriza o espetáculo é um dos mais pobres intelectualmente que se pode ter, além de ser contrafactual. O que faz o espetáculo ser desvalorizado é não ter público no estádio. Qualquer criança de cinco anos bate o olho e vê que o estádio está vazio porque as pessoas não têm interesse no produto", decretou o economista, comprovando que nem mesmo os estudiosos do assunto conseguem encontrar verdades absolutas para a questão dos ingressos no país que vai receber a Copa do Mundo de 2014. E com bilhetes a altos preços.

FONTE: YAHHO ESPORTES/ESPORTE INTERATIVO (CLIQUE AQUI para redirecionar)

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